O Município de João Pessoa se comprometeu junto ao Ministério Público da Paraíba (MPPB) a criar, no próximo ano letivo, uma sala bilíngue “Libras-Português” para atender os alunos de cinco e seis anos de idade que têm deficiência auditiva.

O compromisso foi assumido pela Secretaria de Educação de João Pessoa na manhã desta segunda-feira (12), durante a audiência pública promovida pela Promotoria de Justiça da Educação de João Pessoa para atender a uma reivindicação de entidades e do Movimento de Pessoas Surdas na Paraíba: a criação de escolas bilíngues na rede pública de ensino.

A ideia é garantir que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) seja a primeira língua das pessoas surdas e para isso, os alunos surdos seriam alfabetizados em libras por um professor também surdo. Nessa proposta, a língua portuguesa seria a segunda língua dos alunos com deficiência auditiva.

Segundo o Movimento de Pessoas Surdas, já existem experiências bem sucedidas em cidades como Santa Maria, no Rio Grande do Sul e no estado de Santa Catarina. Em João Pessoa, o projeto-piloto deve funcionar na escola municipal de ensino fundamental (EMEF) Matias Freire, localizada no bairro da Torre.

Lá, a Secretaria de Educação de João Pessoa já disponibiliza cursos de libras para as pessoas da comunidade. Através da experiência piloto, será possível avaliar se é viável criar escolas bilíngues libras-português, na rede pública de ensino municipal e estadual.

 

Escolas bilíngues

Em libras, o presidente da Associação dos Surdos da Paraíba, Luiz Cláudio Nóbrega Ayres, explicou a importância das escolas bilíngues para o desenvolvimento das crianças surdas. “A pessoa surda percebe o mundo e a sociedade através do visual. É preciso entender que o português é a segunda língua das crianças surdas e que a escola bilíngue é uma necessidade para dar oportunidades às crianças de se desenvolverem bem”, explicou.

A presidente do Centro Suvag (Sistema Universal Verbotonal da Audição Guberina), Benedita Dultra de Morais Almeida, disse que a Paraíba possui 150 mil pessoas com surdez, sendo que 25 mil vivem na capital.

Ela destacou que a proposta também requer que as escolas bilíngues tenham programa pedagógico, metodologia e formas de avaliação do conhecimento que atendam às necessidades do aluno com surdez. “Não basta um espaço físico para os alunos surdos; é preciso que as escolas regulares tenham programas pedagógicos que atendam às especificidades do surdo, a sua identidade e a sua cultura. Não queremos o surdo em uma sala de aula separada, com professor que não sabe libras. A escola bilíngue deve contemplar tanto os alunos surdos quanto os ouvintes, sendo que a primeira língua dos alunos surdos será a de sinais. As aulas serão ministradas em libras e escritas em português, mas é necessário que o conhecimento seja transmitido em libras para os alunos surdos”, defendeu.

Segundo ela, para garantir a verdadeira inclusão das pessoas surdas na sociedade, também é preciso capacitar a comunidade escolar, fazendo com que todos os funcionários, professores, alunos ouvintes e os próprios familiares dos alunos surdos aprendam a língua de sinais.

 

Escolas inclusivas

Um dos assuntos colocados em pauta na audiência pelos representantes das secretarias de Educação de João Pessoa e da Paraíba e da Fundação de Apoio ao Deficiente (Funad) foi a política de educação inclusiva proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e implementada nos estados e municípios brasileiros. Na proposta do MEC, os alunos com deficiência auditiva devem ser matriculados em salas de aula regulares junto com alunos ouvintes, sendo assistidos por intérpretes de libras.

A representante da Funad, Lenice Carneiro, disse que existem 642 alunos com diagnóstico clínico de surdez matriculados na rede pública estadual de ensino e que várias ações estão sendo feitas para promover a inclusão das pessoas surdas na sociedade.

Já a representante da Secretaria de Educação de João Pessoa, Sandra Verônica Ramalho Chaves, disse que a rede municipal de ensino possui 129 crianças matriculadas em sete escolas-pólos de ensino fundamental I e II.

Segundo ela, a reivindicação das entidades e pessoas surdas sobre a criação de escolas bilíngues vai de encontro à política de inclusão defendida pelo MEC. Ela também informou que no início de 2011, a secretaria chegou a abrir vagas para criar uma sala bilíngue na escola municipal Radegundes Feitosa, que fica no bairro José Américo. “Não houve procura por parte dos familiares e apenas quatro crianças foram matriculadas. Não pudemos abrir uma sala com quatro alunos e tivemos que colocá-los em outras escolas”, explicou.

Entidades e movimentos de pessoas surdas alegaram falha na divulgação da secretaria e criticam a proposta do MEC. “As políticas (de inclusão) são elaboradas por ouvintes para pessoas surdas. Os programas educacionais são voltados para ouvintes. O discurso de inclusão que perpassa os programas educacionais do governo ainda não vê o aluno surdo como sujeito cultural, mas como pessoa com deficiência e necessidade especial. Os surdos lutam pelos seus direitos de pertencerem a uma cultura representada pela língua de sinais, identidade própria, comunidade surda, povo surdo. Essa luta é para conquistar um espaço educacional e social, onde a diferença surda possa ser respeitada”, disse Benedita.

Já a representante do Movimento Surdo que é professora formada em letras libras, Elisângela de Lima, foi enfática ao dizer em língua de sinais que “os surdos são a favor da inclusão; mas, na educação, defendem a escola bilíngue”. “É importante que as escolas ensinem as disciplinas em libras. O modelo bilíngue de ensino-aprendizagem tem como objetivo a aquisição de fluência em libras para o aluno surdo. O objetivo é fazer com que a criança surda tenha o desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na criança ouvinte”, argumentou.

 

A audiência

Para a promotora de Justiça da Educação de João Pessoa, Fabiana Lobo, a audiência foi bastante proveitosa. “Nosso objetivo foi ouvir as pessoas envolvidas nesse assunto e apresentar a prosposta de criação de uma sala de aula bilíngue. Queremos defender, acima de tudo, o direito do aluno e, segundo as entidades que representam as pessoas com deficiência auditiva, quando a criança surda é alfabetizada em libras, ela aprende mais rapidamente e melhor outros conteúdos”, disse.

O coordenador da Assessoria Jurídica da Secretaria de Educação do Estado, Tiago Fonseca, parabenizou a atuação do Ministério Público estadual. “Sensibilizado com a reivindicação das pessoas surdas, o MPPB deu início ao procedimento administrativo para que os surdos possam efetivamente participar da vida social no município, no estado e no país. O Estado da Paraíba, através da Secretaria da Educação, também está extremamente sensibilizado com a questão e, no que depender do Estado, vamos trabalhar juntos com o MP e com o Município de João Pessoa para efetivar toda e qualquer política pública de inclusão de pessoas com surdez”, disse.

A audiência também contou com a presença da professora e coordenadora do Curso de Letras Libras, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Nayara de Almeida Adriano, e foi traduzida em língua de sinais por José Augusto Soares e outros intérpretes.

 






Redes Sociais